Brasil. País do
verde-amarelo, terra do futebol, do samba
amigo e das mulatas sensuais. País da
violência, das riquezas minerais e da
política corrupta. Terra de Ronaldinho e de
Fernandinho Beira-Mar. Terra de Chico
Buarque e de Tati Quebra-Barraco.
Alguma mentira? Não. Nosso país é de uma
diversidade e de uma adversidade espantosas.
De altos e baixos e extremos radicais.
Riqueza, exuberância e miséria. São tantas
coisas que falar sobre ele parece ser fácil.
Ou não. São tantos extremos que evitar
estereótipos parece difícil. Ou não. Quantas
vezes vimos estrangeiros confusos sobre a
nossa capital: Buenos Aires ou Rio de
Janeiro? E pior: o problema não se resume só
à Geografia, ele é bem mais amplo.
Todos estão sujeitos aos estereótipos. A
ignorância e a arrogância permeiam esse
caminho. A questão não é lutar para
deletá-los, mas sim lutar para
desmistificá-los. É o que o documentário
“Olhar Estrangeiro”, de Lucia Murat, começa
a fazer.
O BRASIL PASSADO A
LIMPO NO “OLHAR ESTRANGEIRO”, DE LUCIA MURAT
Patrocinado pelo Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES,
pela Rio Filmes e pela Rede Sesc Senac de
Televisão – STV, o documentário “Olhar
Estrangeiro” (2006), dirigido pela
jornalista e cineasta Lucia Murat, é um
documentário que fala sobre os clichês e as
fantasias que se avolumam pelo mundo afora
sobre o Brasil.
Baseado no livro “O Brasil dos Gringos:
Imagem e Cinema”, escrito por Tunico
Amâncio, professor de Cinema da Universidade
Federal Fluminense - UFF, o filme de 70
minutos mostra a visão que o cinema mundial
tem do Brasil. Filmado na França (Lyon e
Paris), na Suécia (Estocolmo) e nos EUA
(Nova York e Los Angeles), ele desvenda os
mecanismos que produzem esses clichês
através de entrevistas com diretores,
roteiristas e atores (inclusive Michael
Caine, ator do filme “Feitiço do Rio”, de
1984) que trabalharam nessas inúmeras
produções que utilizaram um estereótipo do
nosso país. Sim, porque era do interesse da
equipe não apenas mostrar o olhar como
também desvendar o motivo desse olhar.
A princípio, o difícil era saber que rumo
tomar, já que o assunto é bem amplo e,
pensando bem, já que se estaria falando de
estereótipos e clichês, o próprio
documentário teria que tomar cuidado para
evitar esses caminhos. O encontro com Dudu
Miranda, fotógrafo e câmera, que foi
observado de perto por esse olhar
estrangeiro míope durante os dois anos que
morou em Nova York, foi fundamental para a
descoberta do rumo dos trabalhos, assim como
a conversa com o próprio autor do livro “de
partida”, Tunico Amâncio.
A produção foi feita ao longo de seis anos
com um orçamento minúsculo de R$ 200 mil,
aproveitando viagens que a diretora fazia
para o exterior. Infelizmente, só há uma
cópia do documentário.
“Olhar Estrangeiro” foi um dos dez projetos
selecionados entre 200 documentários para o
“Brasil Documenta”, a mais importante mostra
brasileira de projetos para documentários.
Além de ter sido exibido no Festival do Rio,
na Mostra “Brasil Visto de Fora”, e no
Festival de São Paulo. Assista ao trailer
abaixo:
ANALISANDO O “OLHAR
ESTRANGEIRO”
“Temos que firmar nossa identidade”, afirma
a diretora Lucia Murat sobre o cinema
brasileiro. Não haveria época melhor para
discutir a visão que o cinema internacional
tem do Brasil que agora, na mesma época em
que um longa-metragem pastelão como
“Turistas” (2006) chega cutucando essa
ferida que há anos insiste em não
cicatrizar. A diretora ainda chega a ser
mais incisiva: “A tendência, com a
globalização, é acontecer mais. Isso só pode
mudar quando firmarmos nossa identidade. Foi
o que aconteceu com a Espanha e o cinema de
Almodóvar. Rompeu o clichê”.
Como dito anteriormente, o documentário
mostra produções que caricaturizaram o
Brasil, ou seja, recriaram uma imagem do
nosso país diferente da realidade.
Particularmente, eu não diria que seria uma
idéia totalmente distante, como alguns
autores chegaram a afirmar. Acredito que, a
princípio, muito disso seja verdade. O
problema é quando essa idéia inicial é
deturpada, exagerada, má interpretada. Acaba
por acontecer então uma divulgação
equivocada da realidade, no caso aqui
explorada, a do Brasil.
Esse “equívoco” pode ser percebido
claramente de diversas maneiras. E todas bem
acessíveis. Basta entrar em uma sala de
bate-papo, ver alguns filmes, viajar. Quando
tinha 17 anos, conversei com um jovem
nova-iorquino que acreditava piamente que
nós, brasileiros, andávamos em cipós. E
aposto que não fui a única a ter uma
experiência desse tipo. Se até dentro do
nosso próprio país existem estereótipos
entre uma região e outra, imagine fora
daqui.
A própria diretora do documentário conta
alguns episódios assim. Lucia disse que
pessoas inteligentes chegavam para ela no
exterior e perguntavam como uma mulher
conseguia fazer cinema no Brasil. Essas e
outras perguntas aparentemente bobas chegam
a nos fazer rir ou mesmo irritar. “Não é
arrogância, é ignorância mesmo. É
surpreendente! O grau de alienação é muito
alto”, concluiu Lucia. Mas de onde será que
surge tanta idéia equivocada? É daí que
nasce o documentário “Olhar Estrangeiro”,
contando como ponto de partida o livro de
Tunico Amâncio.
O olhar estrangeiro se espanta com o
raciocínio. Espanta-se diante da imagem
feminina que não exala apenas sensualidade.
Espanta-se com um país que não fica nos
extremos de paraíso ou inferno. Parece não
haver bom senso. É quase como se vivêssemos
repetidamente a carta de Pero Vaz de
Caminha.
Michael Caine diz: "Mas
ela era brasileira? Carmen Miranda? Achei
que fosse criação de Hollywood".
Todavia, não podemos
apenas apontar como réu a miopia
estrangeira. Nós, brasileiros,
principalmente os que vivem fora, ajudamos a
construir esse olhar defeituoso. Os motivos?
Vários, provavelmente. Principalmente quando
se pensa que é muito menos desgastante se
submeter a uma idéia preconcebida a
enfrentá-la e apresentar uma realidade mais
complexa. E, já que citei a nossa culpa no
cartório, pasmem: Michael Caine espantou-se
ao saber que Carmen Miranda era brasileira!
E do outro lado, Larry Gelbart, roteirista
de “Feitiço no Rio”, já a coloca como
responsável por parte dessa idéia errada que
os americanos têm do Brasil.
Depoimentos de personagens como Édouard
Luntz, Hope Davis, Jon Voight, Larry Gelbart
e Michael Caine são intercalados às cenas de
filmes que se passam no Brasil. Isso sem
esquecer dos filmes que não mostram o
Brasil, mas apenas o citam e de forma
despreocupada e limitada. Surpresas não
faltaram. O poder de Hollywood é
surpreendente e se mostrou ao longo das
entrevistas. Filmagens na Flórida
apresentavam o Brasil apenas como a Amazônia
brasileira, os sucessos comerciais dos
clichês mais toscos como vemos nos filmes
“Orquídea Selvagem” e “Lambada”, que
explicitam o desconhecimento americano em
relação à realidade brasileira, e, pior,
notamos a insistência em criar um tipo
“latino” único, inventando nacionalidades,
negando as existentes.
Grosseiramente falando, parece-me uma
aplicação da Escola de Frankfurt inadequada:
junta-se toda a cultura e dessa fusão sai
não a soma, mas o rascunho desatento,
ignorando traços históricos, sociais e
culturais. Nasce o “Brasil para a massa
estrangeira”. Nosso país é resumido a sexo,
dança, mulher, praia e Amazônia. Nenhum
desses pontos é mentira. Temos, sim, isso
tudo. Mas “apenas” isso? Merecemos ser
lembrados apenas por essas palavras-chaves?
Como dito pela diretora, “O documentário é a
intercessão de três elementos. Os filmes da
pesquisa, as histórias de como esses filmes
foram feitos, e os retratos em três por
quatro dos espectadores atuais, refletindo
através de múltiplas línguas a reprodução
dos clichês”. Tudo isso registrando e
começando uma reviravolta para a busca da
identidade do Brasil. Afinal, o slogan da
campanha da Globo de 1992 vem a calhar
agora: O país que não lembra da sua história
não sabe que país é.
O ESQUELETO DO
DOCUMENTÁRIO “OLHAR ESTRANGEIRO”
Não foi fácil reunir todo o material, desde
filmes a entrevistas, para dar forma às
idéias iniciais que Lucia Murat e sua equipe
tiveram. A lista de filmes que citam o
Brasil de forma errada é longa, e encontrar
as pessoas que participaram de tais
produções era uma missão quase impossível.
Felizmente, o documentário foi finalizado
com uma bagagem bem seletiva e valiosa.
Vale muito a pena ver “Olhar Estrangeiro”,
mas como o acesso ao filme pode ser difícil
pela maioria, principalmente pelo fato de
ele ser exibido normalmente em Festivais e
ter apenas uma cópia, vou listar abaixo
pessoas que foram entrevistadas e filmes que
podem exemplificar essas produções
equivocadas que tanto foram citadas aqui.
Bo Jonsson: produtor de dois filmes
rodados no Brasil.
• “Svarta Palmkronor – Black Palm Trees”, de
1967, com Max Von Sidow e Bibi Anderson,
dirigido por Lars-Magnus Lindgren. Ganhou um
Oscar em 1965. Descreve uma odisséia do que
o Brasil pode fazer com um sueco. O diretor
acabou internado louco.
• O segundo filme exemplifica o clichê
típico: dois suecos acabam o filme fugindo
para o Brasil para gastar a fortuna roubada.
Charlie Peters: Roteirista do filme
“Feitiço no Rio”, que aceita os clichês como
parte do mundo do filme comercial.
• “Feitiço no Rio” (Blame it on Rio), de
1984, dirigido por Stalen Donen, com Michael
Caine e Demi Moore. Foi rodado no Rio de
Janeiro e é uma seqüência de clichês sem a
menor preocupação com a realidade. Traz de
forma mais afetiva os mesmos clichês
encontrados em “Orquídea Selvagem”.
David Weisman: Produtor do filme “O
Beijo da Mulher Aranha”. Participou do
projeto que tentou filmar “Samba”, filme que
seria dirigido por Bob Rafelson e teria
Sônia Braga e Jack Nicholson nos papéis
principais. O tema abordaria os negros do
país de forma irônica e às vezes cruel.
• “Beijo da Mulher Aranha” (Kiss of the
Spider-Woman), de 1985, dirigido por Hector
Babenco, com Sônia Braga e Raul Julia no
elenco.
Édouard Luntz: Diretor de “Le Grabuge”,
de 1968, filme que acabou sendo destruído
pela distribuidora Fox. Exemplo de um
diretor engolido pelo sistema.
• Le Grabuge, de Édouard Luntz, de 1968.
Filmado no Rio e em outros estados do
Brasil, a 20th Century Fox convidou o
diretor que anos antes havia feito sucesso
em Cannes para fazer um longa-metragem. As
peripécias da realização desse longa em
plena efervescência de 68 são também a luta
de um francês, com um lado documentarista
muito forte, pelo seu “direito de autor”.
Depois de anos de luta, Luntz ganhou na
justiça o direito de ter a sua versão do
filme, considerado “anti-establisment” nos
EUA, mas a Fox em resposta destruiu o filme.
Boa história sobre como funciona o chamado
cinema hegemônico quando é contestado. Só
existem fotos do “Le Grabuge”, uma tentativa
de trabalhar fora dos clichês.
Gerard Lauzier: Diretor de dois
filmes que falam sobre o Brasil. Famoso por
seus desenhos em quadrinhos na França, morou
no Brasil 8 anos quando jovem e usou essa
experiência em seus filmes. Percebemos um
imenso contraste, cheio de clichês. E
falando sobre essa contradição, entre a sua
experiência e o que é mostrado nos filmes,
ele fala categoricamente sobre o poder da
indústria, o que o público quer ver e o
Brasil que é vendido: o pobre, o rural e o
exótico.
• “T’empêche tout le monde de dormir”, de
Gerard Lauzier, em 1982.
• “O Filho do Francês”, de Gerard Lauzier,
em 2000.
Greydon Clark: Diretor do filme
“Lambada: a Dança Proibida”. O filme mistura
a dança lambada, que acabara de estourar na
Europa, com a questão da floresta amazônica,
criando uma princesa índia. Alguém entendeu?
Não, eu não. Mais engraçado é que o filme
foi extremamente lucrativo e explicado pelo
poder da indústria e pela necessidade de se
entreter o público norte-americano. Então eu
pergunto: agora nós servimos de “Muppets
Nativos” para eles? Nossa.
• “Lambada: a Dança Proibida”, de Greydon
Clark, de 1990, com Jeff Daniels e Laura
Harring.
Hope Davis: Atriz principal do filme
“Próxima Parada, Wonderland”. Hope demonstra
desconhecer completamente o Brasil e associa
o país a três idéias: praias, topless e
sensualidade. E ainda critica o estilo
“latin lover”, que aparentemente carregamos
nas veias.
• “Próxima Parada, Wonderland” (Nex Stop
Wonderland), dirigido por Brad Anderson em
1998, conta a história de um personagem
brasileiro que fala espanhol e é recheado de
músicas brasileiras.
Jon Voight: Ator em dois filmes da
lista.
• “O Campeão”, dirigido por Franco
Zeffirelli em 1976. O filme traz uma pequena
citação ao Brasil, colocando-o como
“paraíso”.
• “Anaconda”, dirigido por Luis Llosa em
1997. Rodado na Amazônia, finalmente, já que
antes era impossível tecnicamente de se
filmar na floresta. Mas, as novas
tecnologias andam consertando isso.
Larry Gelbart: Um dos roteiristas do
já citado “Feitiço no Rio”. Também foi
roteirista de “Tootsie” e “M.A.S.H”. Cheio
de humor e inteligência, Larry fala sobre
como o cinema cria e perpetua os clichês.
Fala de erros do filme e cita Carmen Miranda
como uma das responsáveis pela idéia de
Brasil que os americanos têm.
Michael Caine: Protagonista de
“Feitiço no Rio”, de 1984. Ele fala, bem
humorado, da beleza do povo brasileiro como
razão para alguns clichês e, pasmem mais uma
vez com o mocinho, diz ter acreditado em
tudo que leu no roteiro do filme. Tirando o
tom de brincadeira, Caine ainda fala sobre
as diferenças sociais do Brasil e revela a
pérola: “eu não sabia que Carmen Miranda era
brasileira”.
Phillipe de Brocca: diretor de
“L´homme de Rio”, de 1962. Ele revela
compreender os clichês de seu filme e ainda
faz uma comparação: os brasileiros devem
reagir vendo seu filme como ele reage vendo
os americanos filmando em Paris. Ele
realmente não teme os clichês. E ainda fala:
“não imagino um filme com um brasileiro
trabalhando”. Em tons de nostalgia e
fantasias, nota-se a imagem de Rio que não
existe criada por um apaixonado pela
fantasia.
• “L´homme de Rio”, dirigido por Phillipe de
Brocca, em 1962, um dos maiores sucessos da
época, com cinco milhões de espectadores na
França. Contando com a atuação de Jean-Paul
Belmondo e Françoise D´Oleac em um filme
cheio de clichês e com todo charme francês.
Phillipe Clair: Autor e diretor do
filme “Se Tu Vas à Rio, Tu Meurs”. Conhecido
pela comédia da velha escola de vaudeville,
Phillipe Clair dá uma entrevista engraçada
sobre sua experiência brasileira, que pelo
visto, rendeu um show de clichês do cidadão
típico de classe média, onde mulher e bunda
completam o país.
• “Se Tu Vas à Rio, Tu Meurs”, dirigido por
Phillipe Clair, em 1987. Filme que descobriu
Roberta Close, lançando-a
internacionalmente.
Robert Ellis Miller: Diretor do filme
“Brenda Star”. Defensor dos clichês em
segundo plano, como atalhos para localizar a
história para o público, diz que Carmem
Miranda hoje seria um cartoon. Aí me vem na
mente um estilo de Betty Poop colorida e
tropical. Miller ainda discorre falando
sobre a teoria de que o cinema americano tem
algo de especial que o torna mais popular
que os outros. Eu chamo isso de dinheiro. E
vocês? E piorando o naipe, ele ainda defende
a necessidade de se falar espanhol na
Amazônia brasileira, porque “a maior parte
da região fala espanhol e é assim que o
estúdio decide”. Ô beleza...
• “Brenda Star”, dirigido por Robert Ellis
Miller, em 1988. Estrelado por Brook Shields,
é filmado na Flórida e conta a história de
uma personagem dos quadrinhos que toma vida
e vai para a Amazônia.
Tony Plana: Ator cubano-americano que
trabalhou no filme “Amazônia em Chamas”.
Conservando raízes da América Central, Tony
descreve como o mercado cinematográfico
americano desconhece a diversidade da
cultura latina, preferindo criar um “latino
padrão”.
• “Amazônia em Chamas” (The Burning Season),
dirigido por John Frankenheimer, em 1994.
Com Raul Julia no elenco, o filme é rodado
na Amazônia e é falado em inglês, além de
contar com atores americanos com estilo
“latino”.
Zalman King: Diretor de “Orquídea
Selvagem”. Zalman fala que sua visão do
Brasil foi influenciada pela filme “Orfeu
Negro” e que o Brasil foi escolhido por
completar a ficha que ele pretendia para o
filme: lugar exótico e com pessoas que
lidassem de imediato com a sensualidade. Ele
ainda fala sobre religião.
• “Orquídea Selvagem”, dirigido por Zalman
King, em 1990. Com Jacqueline Bisset e
Milton Gonçalves.
• “Orfeu Negro”, dirigido por Marcel Camus,
em 1959, com Breno Mello e Marpessa Dawn.
Produção francesa, italiana e brasileira.
Foi ambientando em uma favela do Rio de
Janeiro na época do Carnaval.
Além dessas entrevistas e das cenas de
filmes, foram realizadas ainda cerca de 100
pequenas entrevistas com espectadores
franceses, suecos e norte-americanos em um
mesmo cenário, verde ou amarelo, em formato
de cabine onde cada um deveria falar que
palavras deveriam ser referenciadas ao
Brasil sobre os seguintes tópicos: sexo,
liberdade, exótico, paraíso, felicidade,
pobreza, natureza, mestiçagem, trabalho,
violência, rituais afro-brasileiros e
Amazônia. As respostas chegam ser óbvias ou
estranhas: carnaval, samba, prostituição
infantil e até cirurgia plástica. É um
pacote extremamente interessante e chocante
pela repetição do estereótipo.
CONCLUINDO O OLHAR
ESTRANGEIRO
Que existe um estereótipo do Brasil todo
mundo já sabia. Pode ser chocante a
intensidade e a abrangência dele, e, até
mesmo, a facilidade como ele é aceito por
aí. Chega a ser assustador ver pessoas
esclarecidas com noções tão primárias e
preconceituosas sobre um país cheio de
diversidades.
Indicar culpados não é solução. Todos somos.
Eles por insistirem, nós por permitirmos.
Claro que vemos absurdos. Como profissionais
do cinema, uma arte tão comunicativa e
abrangente, trabalham sem pesquisa profunda
sobre uma realidade tão diferente? Sem
averiguarem o país e, principalmente, sem se
preocuparem em respeitar a identidade de uma
nação? Clichês sempre irão existir. Claro. E
eles nem são de todo ruins. Servem para
facilitar uma identificação, servem para
divertir. O problema é quando ele se torna
um padrão: deixa de ser clichê e passa
praticamente a ser uma verdade. Afinal de
contas, só sabe identificar um clichê aquele
que conhece a verdade. Nós sabemos o que é
parodiado nas nossas costas, o que é
estereotipado. Mas e o resto do mundo que
não nos conhece? A primeira informação que
chegar é a que fica, certo? Isso é que é
abusivo.
Há quem culpe Carmem Miranda por isso. Ou
por começar essa imagem. O que quer que
seja, como podemos culpar uma única pessoa
por isso? Carmem levou o Brasil para o
exterior e nos apresentou para o mundo à sua
forma. Que culpa tem ela se essa idéia foi
deturpada ou levada ao pé da letra?
Não podemos ignorar também a força que a
indústria cinematográfica tem. Vemos isso
claramente na briga de Édouard Luntz com a
20th Century Fox e na entrevista de Gerard
Lauzier. Há um interesse em inferiorizar
também. Somos do “Terceiro Mundo”, afinal.
É verdade que somos um país exótico, de
mistura de raças e belezas raras. Isso
propicia aos gringos nos imaginarem como um
povo um tanto curioso e, quem sabe, talvez,
até perigoso. Somos filhos de uma nação
colonizada por exploração, certo? Ainda
temos a carga de “nativos”. E temos muitas
histórias ruins para contar: a política
corrupta, a violência extrema, os abusos
sexuais. E ainda há quem seja conivente com
isso. Mas é fácil apontar os defeitos sem
entender o que levou àquilo.
Essa ingenuidade estrangeira, que felizmente
não chega a ser geral, chega a parecer
sonsa. Como o jornalista Eddie Torres disse
uma vez: “No fundo, esses gringos se fazem
de otários, procurando mato, índio e sarna
pra se coçar, pra não assumir a
responsabilidade pela devastação das nossas
florestas e pelo extermínio dos nossos
índios. Ou será que eles esqueceram como
eles chegaram para colonizar os nativos?” E
concordo com Torres quando ele diz que não é
questão de ser xenófobo, mas de esperar que
os estrangeiros não tomassem esse
estereótipo vagabundo que é vendido na mídia
mundial. Ou nós poderíamos muito bem pensar
que todos eles são presbiterianos de cara
pálida, psicopatas com rifles em casa a
ponto de executar seus colegas de trabalho.