O ESTEREÓTIPO DO PONTO
DE VISTA DOS ESTUDIOSOS
“Os brasileiros que vivem no exterior
também ajudam a criar uma imagem
estereotipada do Brasil”. Essa afirmação
é de Randal Johnson, professor da
Universidade da Califórnia e autor de
diversos livros sobre cinema e literatura
brasileiros. Ele argumenta que nas grandes
cidades americanas, onde existem comunidades
brasileiras, sempre acontecem shows de
mulatas e escolas de samba. Grupos como
“Cristiane Calil e as Garotas de Ipanema” de
Los Angeles exemplificam o caso.
O livro “The Testament”, de John Grisham,
traz o personagem principal temendo
encontrar anacondas e canibais no Pantanal
mato-grossense. Como falei anteriormente, se
não existe um fluxo de informações sobre o
Brasil no exterior, é lógico que as pessoas
tendam a acreditar neste tipo de estereótipo
que é oferecido. É uma limitação. Autor dos
livros “Brazilian Cinema e Macunaíma – do
Modernismo na Literatura ao Cinema Novo”,
Randal Johnson não acredita que as
deformações do olhar estrangeiro se resumem
apenas ao cinema. E tampouco ao que vem “de
fora”. Segundo ele, “isto faz parte da
maneira de pensar, de criar imagens
simplificadas do outro”. |
No cinema, como em outros
espaços, o vírus do estereótipo não ataca
apenas etnias diferentes. Basicamente, o
alvo é o Outro. Los Angeles e os sulistas
americanos costumam ser retratados por
clichês, assim como nós sempre pensamos nos
japoneses como criaturinhas iguais, viciadas
em arroz e tecnologia.
É um caminho tortuoso. E já que o foco é o
Brasil, vou me restringir a ele, mas
deixando claro que ser estereotipado não é
exclusividade apenas nossa. Pois bem, do
mesmo jeito que muitos nos imaginam como
samba, futebol e mulher semi-nua, há quem
nos imagine apenas como pobreza, seca e
fome. Alunos americanos chegaram a criticar
“Vidas Secas” por afirmarem que o livro não
conferia a imagem do Brasil, supostamente um
país litorâneo e festeiro. Já na Europa, o
quadro é outro: percebe-se sensivelmente a
questão regional, da miséria e da seca, mas
não se nota o desenvolvimento tecnológico,
os valores intelectuais e a diversidade
cultural. Talvez isso seja herança do Cinema
Novo...
Quem defende e estuda muito essas
disparidades de imagens sobre o Brasil
citadas no parágrafo anterior é a crítica de
cinema francesa Sylvie Pierre. Ex-Cahiers du
Cinema, uma das fundadoras da revista “Traffic”.
Sylvie escreveu muito sobre o cinema
brasileiro, inclusive um livro sobre Glauber
Rocha. Sem negar o padrão, ela veio para o
Brasil motivada pelos estereótipos
apaixonantes, mas, após morar cinco anos no
Rio, concluiu que “não era bem assim”. Ela
conta que o primeiro brasileiro que conheceu
foi o diretor de cinema Glauber Rocha.
“Fiquei logo com a impressão de que todo
brasileiro tinha aquela coisa baiana e
carregava, com ele, o Brasil na mala”. Agora
vocês entendem a importância de um
diplomata... E pegando esse pauta,
imaginemos aqui quem são nossas
“celebridades”, quem são aqueles que
insistimos em ver na telinha e aclamar por
aí: Ronaldinho, Xuxa, Gisele Bündchen...
Claro que temos muito mais o que mostrar,
mas, na mídia de massa, quem é que aparece?
Os próprios representantes desses
estereótipos que acabam por perpetuar a
idéia estereotipada. Abrimos mão da nossa
identidade e da nossa cultura por algo
trivial e passageiro. É tudo febre que some
e não deixa marca.
O clichê não nasceu com o cinema. Ele vem do
próprio homem, do olhar de cada um. Por isso
encontramos olhares estereotipados, mas com
tons diferentes, como Marcel Camus,
carinhoso e temperado, e Orson Werlles,
superior e desdenhoso (que pode ser
conferido em seu filme “É Tudo Verdade”).
“O pior são os clichês semi-cultos de
quem pensa que conhece o Brasil e veicula
idéias prontas sobre corrupção,
permissividade sexual, etc. Os franceses são
especialistas nisso”, critica Sylvie.
Sylvie não deixa de lado os estereótipos
criados em relação ao cinema brasileiro, que
teve uma “entrada estratégica muito forte
nos anos 60 para mais tarde ser vítima de
tantos mal-entendidos”. Depois de 1968, ela
se recorda que os intelectuais europeus
esperavam que o cinema brasileiro ficasse no
militantismo marxista. “Ainda hoje se
cobra que os filmes brasileiros continuem
informando sobre o que é o país, sob pena de
ser rejeitado. Imagine que ‘Os
Inconfidentes’, de Joaquim Pedro de Andrade,
foi chamado de cinema pequeno-burguês!”,
espanta-se. Isso ajuda a explicar o fato de
“Central do Brasil” encontrar enorme
receptividade na Europa, enquanto um filme
menos típico como “A Ostra e o Vento”, de
Walter Lima Jr., passava por cobranças de
brasilidade no Festival de Veneza.
E não só o cinema estrangeiro aborda clichês
sobre o Brasil. O próprio cinema nacional
abusa de determinados clichês, como o da
violência. Como dito anteriormente,
estereótipos e clichês existem de todas as
formas, para todos os lados e sob várias
perspectivas. |